É possível usar dois “veículos” diferentes para investir em simultâneo? Claro que sim!
Desde logo, tudo depende em que ponto da “viagem” tu te encontras. Repara, se estás numa fase em que necessitas de uma alavancagem significativa em financiamento bancário, então a empresa pode não ser o ideal para ti… e porquê, perguntas tu? Porque o Banco não quer emprestar dinheiro à empresa que acabaste de constituir. O que o Banco quer é fazer-te um financiamento do tipo Crédito à Habitação, em nome pessoal, ficando naturalmente com uma hipoteca do imóvel em causa.
Ora, enquanto necessitares de “almoçar” com o Banco à tua mesa, tens que, de alguma forma, jogar com as regras do Banco. Por outras palavras, tens de operar em nome individual, e enquadrar fiscalmente os teus rendimentos neste contexto no IRS.
“Então quer dizer que eu nunca vou conseguir usar uma empresa para investir?” perguntas tu. A minha resposta é “claro que vais!”. Isso só depende da tua capacidade para ganhares “tração financeira” de forma que, num determinado momento, já tenhas o capital próprio suficiente para não necessitares do Banco, se assim o quiseres.
Repara que nesta “viagem” existem várias fases, e se tu fizeres bons investimentos logo no início, que te proporcionem lucros interessantes, então rapidamente terás capital próprio suficiente para ires a jogo sozinho. E quando tal suceder, já poderás constituir um “veículo empresa” para realizares os teus investimentos e, dessa forma, potenciares a otimização financeira e fiscal do dinheiro que investes.
Isso significa que, a partir do momento em que tens a empresa vais usá-la em exclusivo para todos os teus investimentos? Para a maioria, sem dúvida. Mas pode acontecer que, em determinadas situações o IRS te traga uma melhor otimização. Vou dar-te um exemplo…
Supõe que vais comprar um apartamento, a necessitar de obras significativas, e cujo objetivo é colocar no mercado de arrendamento. Neste caso em concreto, o IRS – Categoria F pode efetivamente ser um “veículo” mais vantajoso, pois permite deduzir fiscalmente o valor total das despesas com obras nesse ano. Imagina que gastas 40.000 euros em obras no primeiro ano de arrendamento, e que nesse ano só recebes 10.000 euros de rendas. Vais pagar algum IRS? A resposta é “não”. E sabes porquê? Porque a Categoria F te permite deduzir diretamente o montante gasto em obra nas tuas receitas de arrendamento. Neste caso, como o valor das obras nesse ano até é superior ao que recebeste do arrendamento desse imóvel, não irás pagar qualquer imposto. E o que irá acontecer aos 30.000 euros que sobram? Ainda os poderás deduzir nos anos seguintes, até um máximo de 5 anos.
Repara que, numa empresa e para este caso, irias ter de aplicar o mecanismo da depreciação anual (apenas uma percentagem iria ser considerada como custo fiscal nesse ano), levando a que, eventualmente, pagasses imposto sobre um lucro que na realidade não tiveste. Ficou claro para ti?
Mais há mais! Tenho outro caso prático que quero partilhar contigo. Vamos conhecer o Manuel…
O Manuel prepara-se para adquirir dois imóveis, com o intuito de revender um deles e arrendar o outro. São dois apartamentos muito bem localizados, mas a necessitar de algumas obras, pois fazem parte de um prédio antigo.
O Manuel não tem experiência no imobiliário, por isso procurou-nos no sentido de saber qual seria a melhor forma de o fazer do ponto de vista fiscal.
Tendo em conta que o Manuel espera obter um bom rendimento deste investimento, receia pagar muito em impostos… Para a nossa análise, o Manuel partilhou connosco os seguintes elementos:
Descrição | Valores |
---|---|
Valor de aquisição de cada imóvel | € 300.000 |
Obras a fazer (custo estimado para os dois imóveis) | € 100.000 |
Despesas correntes anuais com cada imóvel (IMI, condomínio e manutenção) | € 2.000 |
Receita anual estimada para o arrendamento | € 24.000 |
Valor estimado de venda do apartamento | € 450.000 |
Adicionalmente, o Manuel indicou-nos também que:
- Para estes dois primeiros investimentos ele tem capacidade para adquirir um deles com capital próprio, sendo que vai necessitar de financiar 80% do outro;
- Daqui em diante pretende continuar e replicar este modelo de investimento, fazendo “fix and flip” num dos imóveis e arrendando o outro;
- Na prática, o Manuel pretende constituir um portefólio de imóveis que lhe permita um rendimento passivo interessante no futuro, mas, simultaneamente, não vir a estar dependente de financiamento bancário potenciando, para esse efeito, a “tração” de capitais próprios que vai conseguir através do “fix and flip”.
Qual será o melhor “veículo” para o Manuel neste momento?
Vamos a contas… num cenário de investir “em nome próprio – IRS”:
Imóvel para arrendamento | 1º ano | 2º ano | 3º ano (e seguintes) |
---|---|---|---|
Valor de aquisição | € 300.000 | – | – |
Obras | € 50.000 | – | – |
Despesas correntes anuais | € 2.000 | € 2.000 | € 2.000 |
Receita anual estimada para o arrendamento | € 24.000 | € 24.000 | € 24.000 |
Lucro fiscal | 0 | 0 | € 22.000 |
IRS a pagar (Cat. F) | 0 | 0 | € 5.500 |
Imóvel para “fix and flip” | 1º ano | 2º ano | 3º ano (e seguintes) |
---|---|---|---|
Valor de aquisição | € 300.000 | – | – |
Obras | € 50.000 | – | – |
Valor de venda | € 450.000 | – | – |
Lucro fiscal | € 100.000 | – | – |
IRS a pagar (Cat. G) | € 24.000 | – | – |
Agora, vejamos o cenário de investir através de uma empresa:
Imóvel para arrendamento | 1º ano | 2º ano | 3º ano (e seguintes) |
---|---|---|---|
Valor de aquisição | € 300.000 | – | – |
Obras | € 50.000 | – | – |
Despesas correntes anuais | € 2.000 | € 2.000 | € 2.000 |
Depreciação | € 5.250 | € 5.250 | € 5.250 |
Receita anual estimada para o arrendamento | € 24.000 | € 24.000 | € 24.000 |
Lucro fiscal | € 16.750 | € 16.750 | € 16.750 |
IRC a pagar | € 2.848 | € 2.848 | € 2.848 |
Imóvel para “fix and flip” | 1º ano | 2º ano | 3º ano (e seguintes) |
---|---|---|---|
Valor de aquisição | € 300.000 | – | – |
Obras | € 50.000 | – | – |
Valor de venda | € 450.000 | – | – |
Lucro fiscal | € 100.000 | – | – |
IRC a pagar | € 19.000 | – | – |
Feitas as contas, qual é o melhor “veículo” para o Manuel nos próximos 3 anos?
Ao final de 3 anos, para o Cenário “em nome próprio”, temos:
Descrição | Imóvel em arrendamento | Imóvel p/ “fix and flip” |
---|---|---|
Retorno real | € 22.000 + € 22.000 + € 22.000 = € 66.000 | € 100.000 |
Lucro fiscal | € 0 + € 0 + € 22.000 = € 22.000 | € 100.000 |
Imposto | € 5.500 | € 24.000 |
Retorno líquido | € 66.000 – € 5.000 = € 60.500 | € 100.000 – € 24.000 = € 76.000 |
Taxa efetiva de imposto | € 5.500 / € 66.000 = 8,33% | € 24.000 / € 100.000 = 24% |
Ao final de 3 anos, para o Cenário “empresa”, temos:
Descrição | Imóvel em arrendamento | Imóvel p/ “fix and flip” |
---|---|---|
Retorno real | € 22.000 + € 22.000 + € 22.000 = € 66.000 | € 100.000 |
Lucro fiscal | € 16.750 + €16.750 + €16.750 = € 50.250 | € 100.000 |
Imposto | € 2.848 + € 2.848 + € 2.848 = € 57.456 | € 19.000 |
Retorno líquido | € 66.000 – € 8.544 = € 57.456 | € 100.000 – € 19.000 = € 81.000 |
Taxa efetiva de imposto | € 8.544 / € 66.000 = 13% | € 19.000 / € 100.000 = 19% |
Em resumo, analisemos o imposto para cada cenário:
Descrição | IRS – “nome próprio” | IRS – empresa |
---|---|---|
Imóvel em arrendamento | € 5.500 | € 8.544 |
Imóvel p/ “fix and flip” | € 24.000 | € 19.000 |
Total | € 29.500 | € 27.544 |
O cenário “empresa” permite uma poupança de cerca de 2.000 euros… parece efetivamente pouco significativo. Mas, imaginemos que queremos otimizar ainda mais, tirando o melhor de cada “veículo”, em cada momento. Isto é, sugerimos ao Manuel fazer o seguinte:
- Para o imóvel em arrendamento:
- Recorre a financiamento bancário, em nome próprio, para 80% do valor de aquisição;
- Nos primeiros 2 anos o Manuel “fica” no IRS – Categoria F e, portanto, apenas no 3º ano cede esse imóvel à sua empresa, para exploração do mesmo;
- Para o imóvel de “fix and flip”:
- O Manuel financia a sua própria empresa, através de suprimentos, e a mesma adquire o imóvel e realiza as obras;
Vamos a contas, neste novo cenário:
Imóvel para arrendamento | 1º ano | 2º ano | 3º ano (e seguintes) |
---|---|---|---|
Valor de aquisição | € 300.00 | – | – |
Obras | € 50.000 | – | – |
Despesas correntes anuais | € 2.000 | € 2.000 | € 2.000 |
Depreciação | € 0 | € 0 | € 0 |
Receita anual estimada para o arrendamento | € 24.000 | € 24.000 | € 24.000 |
Lucro fiscal | € 0 | € 0 | € 22.000 |
IRS/IRC a pagar | € 0 | € 0 | € 3.740 |
“Passando” para a empresa o imóvel de arrendamento no 3º ano, e simultaneamente, comprando/revendendo o outro imóvel na empresa, teremos:
Descrição | IRS – “nome próprio” | IRC – empresa |
---|---|---|
Imóvel em arrendamento | € 0 | € 3.740 |
Imóvel p/ “fix and flip” | – | € 19.000 |
Total | € 0 | € 22.740 |
Continuando a nossa “jornada” de otimização fiscal, vamos supor que o Manuel pondera vender o seu carro particular, e fazer um contrato de renting pela empresa, para um veículo elétrico, sendo que nesse contrato de aluguer está prevista uma mensalidade de 900 euros (10.800 euros anuais). Que impacto teria esta “simples” opção na situação do Manuel? Ao final de 3 anos:
Descrição | Imóvel em arrendamento | Imóvel p/ “fix and flip” |
---|---|---|
Retorno real | € 22.000 + € 22.000 + € 22.000 = € 66.000 | € 100.000 |
Renting automóvel | € 10.800 | € 10.800 |
Lucro fiscal | € 0 + € 0 + € 11.200 = € 11.200 | € 89.200 |
Imposto | € 0 + € 0 + € 1.904 = € 1.904 | € 16.732 |
Retorno líquido | € 66.000 – € 1.904 = € 64.096 | € 100.000 – € 16.732 = € 83.268 |
Taxa efetiva de imposto | € 1.904 / € 66.000 = 2,9% | € 16.732 / € 100.000 = 16,7% |
No cenário final, temos:
Descrição | IRS – “nome próprio” | IRC – empresa |
---|---|---|
Imóvel em arrendamento | € 0 | € 1.904 |
Imóvel p/ “fix and flip” | – | € 16.732 |
Total | € 0 | € 18.636 |
Analisando a evolução dos vários “níveis”:
Descrição | Nível 1 | Nível 2 | Nível 3 |
---|---|---|---|
IRS | € 0 | € 0 | € 0 |
IRC | € 27.544 | € 27.740 | € 18.636 |
Total | € 27.544 | € 22.740 | € 18.636 |
Na prática, a otimização fiscal conseguida permite poupar cerca de 9.000 euros em imposto. Se o Manuel replicar este modelo de investimento nos próximos anos, poupará este montante por cada “ronda”!
Voltando à “viagem”, aqui está o ponto da mesma onde está o Manuel:
E tu, onde estás?
Um abraço e bons investimentos!